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terça-feira, 3 de novembro de 2020

Aquilo que é uma redundância


    

Não sou polícia da língua, e muito menos seu apóstolo ou evangelizador; enquanto património comum e língua viva, cada um fará dela o uso que mais lhe convier. Porém, não posso deixar de confessar que sinto ultimamente uma pequena irritação: a moda do “aquilo que é” por tudo e por nada, e mais por nada e a propósito de tudo.

Desde a política – “Aquelas que são as medidas implementadas aplicam-se àqueles que são os concelhos com mais casos, de modo a conter aquilo que são surtos localizados e assim, proteger aquela que é a população” (com toda a certeza, alguém já terá dito isto, ou pior, nas conferências de imprensa da DGS) – até ao desporto – “vamos disputar aquela que é a partida com aqueles que são os nossos melhores jogadores, de forma a conseguirmos fazer aquele que é o nosso jogo e assim alcançarmos aquilo que é a vitória e trazer para casa aqueles que são os três pontos” (raros são os treinadores que não se expressam desta maneira), esta redundância tornou-se numa praga difícil de suportar.

Se o “acordo” “ortográfico” roubou o “p” à óptica, lançando assim a confusão entre a vista e o ouvido, e se confundimos os verbos “ter” e “haver” quando comemos sílabas e dizemos “tive este Verão no Algarve”, se o princípio da economia serve para alguma coisa, podíamos aplicá-lo aqui e passar bem sem aquela que é esta irritação.  

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

A ESTUPIDEZ DO "ACORDO" "ORTOGRÁFICO"



Rua dos Fanqueiros, Lisboa, 2020
Tenho visto muito boa gente repudiar o AO, fazendo porém, a coisa certa pelas razões erradas: 
Uns esgrimem o argumento "imperial" (os outros ex-impérios não fazem acordos ortográficos com as suas ex-colónias, porque haveríamos nós de o fazer?); 
Outros, a tese da "pureza" da língua (qualquer alteração à língua é uma corrupção e conspurcação da mesma, vamos deixá-la para sempre tal como ela está);
E há os que denunciam a sua ilegalidade (o AO é um tratado internacional e as normas das convenções internacionais não podem ser subvertidas para forçar a sua aprovação, o que aconteceu, pelo que o AO é nulo). 
O primeiro argumento, por supor uma visão estreita e distorcida da História, é fascista;
O segundo, por ignorar que o português é uma língua viva, é obtuso;
E o terceiro, por se ater apenas a uma visão jurídica do problema, é formalista.
O "acordo" "ortográfico" tem dois problemas: Não é acordo, nem é ortográfico.
Por não normalizar (o que seria, desde logo o seu escopo), não é acordo, e por inovar, não é ortográfico.
Pretender que uma língua pluricêntrica como o português se escreva com um critério único é não compreender a essência e a riqueza dessa pluricentralidade. A língua portuguesa não é uniformizável, visto que diferentes povos em diversas latitudes a falam e escrevem em estádios de evolução distintos.

A dinâmica da língua está vedada aos ortografistas; estes são meros "notários" ou "tabeliões" da língua que se devem limitar a observar e registar a sua evolução e não a inventar regras estúpidas, sermão que nunca lhes foi encomendado.
O protagonismo na inovação linguística estará reservado aos que a falam e, sobretudo, aos que a escrevem, desde logo, aos "bons autores", critério fundamental e historicamente aceite para a evolução da ortografia ao longo dos tempos. Não perceber isto é não perceber nada de português. 

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Books feed your mind XVII - Vergílio Ferreira




Storytelling por quem sabe escrever.

"3 de Outubro de 1974. O Flic está a morrer. O Flic é um cão, um dos cães, do Rogério. Encontrei a Titilde, que me anunciou a desgraça. Aliás, o Rogério, referindo-se há dias ao desenlace próximo, tinha lágrimas nos olhos. Vai enterra-lo aqui. Terá lápide? Como amigos, fomos assistindo ao envelhecimento do cão. Tem dezassete, menos três que o Argos, o cão do Ulisses, o mais ilustre canil literário e que foi o primeiro a reconhecer o dono e morreu de comoção. O Flic, quando se comovia, tinha um colapso, caía em terra e mijava-se. É um cão baixo, género lulu, mas em preto. Em toda a sua vida não se lhe conheceram ligações amorosas. E talvez porque desse conta das nossas dúvidas sobre a sua dignidade macha, um dia saiu-se. Há lá uma cadela na casa muito mais alta do que ele. O Flic tentava o golpe, mas não chegava onde devia. Então lembrou-se de subir para um degrau da escada – e cumpriu. Da aventura heróica nasceram dois cães. Pretíssimos. E cometido o feito, seguro de que já não deixava má reputação, Flic aposentou-se e pôs-se a envelhecer. Tinha todos os tiques dos velhos: ressentimento contra os filhos, que eram activos, mordia-lhes sem razão, era guloso. Inchou, já estava quase cego. Chegava-se muito às pessoas, decerto para lhe valerem nalgum aperto. Lá está espapaçado no chão, as patas espalhadas, a babar-se. Creio que lhe vão dar o golpe de misericórdia – uma injecção que acabe com o resto. Era o Flic. Vai morrer. Está um dia de sol outoniço."
Vergílio Ferreira, Conta-corrente 1

sexta-feira, 12 de julho de 2019

BOOKS FEED YOUR MIND XVI - MARCEL PROUST


Um dos inúmeros "Lilases" de Claude Monet.

A chegar ao fim da leitura de Proust. E repentinamente, ao virar de uma página, mais um assombro, mais um encantamento: eis o que se pode dizer desta aventura. Um dos muitos exemplos de que se reveste a escrita deste génio.

"Com o rumor da chuva era-me devolvido o aroma dos lilases de Combray; com o amortecimento dos ruídos no calor da manhã, a frescura das cerejas; o desejo da Bretanha ou de Veneza com o barulho do vento e com o retorno da Páscoa. Chegava o Verão, os dias eram compridos, estava calor. (...) Do meu quarto na penumbra, com um poder de evocação igual ao de outrora, mas que me causava apenas sofrimento, sentia que lá fora, no ar pesado, o Sol que declinava punha na verticalidade das casas, das igrejas, uma fulva pincelada. (...) mas eu virava-me violentamente, sob a descarga dolorosa de uma das mil e uma recordações invisíveis que a todo o momento explodiam na sombra à minha volta..."

Em busca do tempo perdido Vol. 6 "A fugitiva". 

sexta-feira, 8 de março de 2019

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Voltei a escrever. Novidades em breve.



Imagem relacionada

Recomendações de leitura de Ernest Hemingway a um seu discípulo.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

BOOKS FEED YOUR MIND XV - MARCEL PROUST



  Finalmente, atiro-me à "recherche", na tradução de Pedro Tamen. Tarefa para ser concluída lá para o final do ano! Ler, mas devagar.

   


Marcel Proust em pose oitocentista.


Confesso que tenho saudades de escrever no papel e já não sei como estará a minha caligrafia, mas se o fizesse como Proust, o aspecto dos meus manuscritos seria talvez, semelhante ao da foto abaixo.

um caderno do escritor.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

FERNANDO PESSOA - AVISO POR CAUSA DA MORAL.




 O poeta pintado por Almada Negreiros.



 "Ser novo é não ser velho. Ser velho é ter opiniões. Ser novo é não querer saber de opiniões para nada. Ser novo é deixar os outros ir em paz para o Diabo com as opiniões que têm, boas ou más - boas ou más, que a gente nunca sabe com quais é que vai para o Diabo."

Aviso por causa da moral.

Álvaro de Campos




 Apanhado em "flagrante delitro" numa taberna da baixa.